Do Desastre ao Triunfo

variação, ondulação e vibração.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Bravura indômita

Assim que os irmãos Coen, como grandes debochados, anunciaram o remake de "Bravura indômita", clássico com John Wayne de 1969, a expectativa era de uma reviravolta no gênero western. Mas não é que, maneirando no sarcasmo, conseguiram fazer um rigoroso filme de faroeste? A trama de vingança, apoiada sobre a potência de vida e maturidade de uma menina de 14 anos, é mais um belo conto moral, perfeitamente escrito e orquestrado pelos Coen. O que era de se esperar deles: acidez fina nos diálogos; edição que valoriza a ação; planos abertos incríveis. Sobre as atuações: Jeff Bridges brilhante, Matt Damon não tanto, mas tendo o que talvez seja sua melhor performace e a estreante Hailee Steinfeld não deixando a desejar. Outra coisa: se Roger Deakins perder mais uma vez seu Oscar de fotografia, dessa vez para a sem-gracice do Wally Pfister em "A origem", desisto de continuar assistindo o resto da cerimônia.
De ruim, posso citar as hieráticas cenas do cavalo e a final, fruto de um sentimentalismo que vejo até como anti-coenziano. Prefiro acreditar em imposição do estúdio, que voltou a transformar os Coens em excelente fonte de renda (ao contrário do São Gonçalo Shopping, onde assisti o filme, a película é um sucesso lá fora). E, de qualquer maneira, um final não estrega um ótimo filme.

"Bravura indômita" (True grit, Joel & Ethan Coen, EUA, 2010). 8/10

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quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Cisne negro

Bem que quando Natalie Portman ganhar sua primeira estatueta neste Oscar, poderia dividir o prêmio com o diretor Darren Aronofsky e o editor Andrew Weisblum. A questão não é desmerecer a láurea dada à Portman, que já deu diversas provas da enormidade do seu talento. É dar crédito ao trabalho dos dois responsáveis para que toda sua variedade de expressões faciais encontrasse um veículo perfeito. O trabalho deles é essencial para fazer crível a incrível farsa de sua história. Apoiados em um roteiro que, por vezes, se excede nas explicações verborrágicas, conseguem tornar palpável toda psicopatia de sua protagonista. Aronofsky mantém sua autoralidade ao usar câmeras de mão e planos longos, dando um efeito naturalista belamente contrastante com as imaginativas cenas da loucura (que, sem forçar a barrar, remetem muito ao cinema de David Cronenberg); trabalho sofrido para Weisblum montar. Dessa junção surge a tensão; "Cisne negro" é quase um filme de terror. Uma fábula poderosa sobre a maturidade, o sacrifício em nome da arte e a percepção que nossos piores inimigos somos nós mesmos.

“Cisne negro” (Black swan, Darren Aronofsky, EUA, 2010). 7,5/10

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quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas

Estudo sobre a proximidade/distância do homem com a natureza e a morte. No surpreendente e misterioso mundo de "Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas" cada passo dado é rumo à profunda incompreensão e fascinação de estar vivo. Funcionando ele mesmo como um organismo, o filme nos convida para a fantasia onírica de uma família reunida por uma doença que afeta um deles. A moléstia é motivo para uma volta à natureza e ao encontro de antepassados desaparecidos/mortos e transformados em fantasmas humanos e macacos. A muralha transparente que separa o homem racional do mundo animal é a mesma que o mantém em contato direto com as forças e as seduções da natureza. Não há distância sem o mínimo de aproximação; não há vida sem compreensão da morte ("você está pisando nos insetos de propósito"). "Tio Boonmee" não está preso a um saudosismo romântico de "volta ao estado natural" e o convite final prova isso: mesmo se for para desbravar cavernas ou bares do meio urbano, a questão é viver e buscar aquilo que se perdeu. Enfim, um filme que meu amigo Osmar Soares adoraria. Por ora, chega de teorizar. Pode-se gostar de "Tio Boonme" apenas pelo seu poder de imersão e contemplação. Pura sinestesia: o cheiro da tarde, o som da lua, o toque no búfalo, o gosto da cachoeira, o frio da caverna, a solidão da noite e a presença da morte. A exaltação dos sentidos. O único filme em 6D.

“Tio Boonme que pode recordar suas vidas passadas” (Loong Boonmee raleuk chat, Apichatpong Weerasethakul, Tailândia/Inglaterra/França/Alemanha/Espanha/Holanda, 2010). 10/10

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Um lugar qualquer

Há quem diga que podemos resumir a obra de Sofia Coppola na temática "ricos entediados". Das patricinhas de Michigan ("As virgens suicidas"), passando pelo casal eventual Bill Murray e Scarlett Johansson ("Encontros e desencontros") e pela última rainha da França ("Maria Antonieta"). A questão é se essa espécie de marca autoral é um demérito a princípio. Com seu novo filme, Sofia invade com sua câmera intimista a privacidade de um ator, mostrando suas andanças por hotéis, seus relacionamentos sexuais e a relação que tem com sua filha. Como uma estudante aplicada do cinema contemporâneo, Sofia demonstra que entediar o espectador é a melhor forma de fazê-lo sentir as angústias de seus personagens. Os pequenos acontecimentos, que seriam desprezados na montagem de um típico filme hollywoodiano, têm aqui sua importância maior. Da simplicidade à profundidade. Será? Vejamos, é louvável Sofia fugir dos psicologismos baratos do cinema mais "narrativo" e focar no "nada acontecendo" que tem a finalidade master de compreensão e identificação com a trama. Ok. Da minha parte, não exijo mais que isso mesmo. E com sensibilidade e paciência, vamos mesmo se encantar com os mais diversos momentos de "Somewhere" (listo alguns: cena inicial mezzo "Paris, Texas" mezzo "The brown bunny", a patinação da menina ao som de "Cool" da Gwen Stefani, a máscara, a menina cozinhando, o sorvete com Friends dublado em italiano e, principalmente, a espécie de mini-clipe com "You only live once" dos Strokes e o desabafo da filha). Agora, por favor, Sofia, não me venha com cenas de pura chantagem emocional, como aquela em que você humilha seu protagonista, tira dele toda a força, fazendo-o ligar ressentido para a ex-mulher. Golpe baixo.
Sofia incorporou Chantal Akerman ("Jeanne Dielman" foi inspiração pro filme) e achou que dilatar ainda mais "Encontros e desencontros" seria o suficiente para fazer outra obra-prima. Valeu pela radicalidade e pelo prêmio em Veneza (dado pelo ex-namorado Tarantino – nepotismo, quem falou?), mas ficou devendo.

"Um lugar qualquer" (Somewhere, Sofia Coppola, EUA, 2010). 6/10

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